A menina quer estudar. Mamãe quer trabalhar. É possível?!

9 ago

A vida doméstica nos amarra. Seguem dois exemplos:

filme de Marcio Ramos

Dizem que ser mãe é padecer no paraíso. Nesse mundo onde a mulher além de ser ótima mãe, presente, carinhosa, atenta, provedora de cuidados e educação também trabalha fora de casa, essa afirmação faz todo o sentido.
A maternidade, muitas vezes, parece incompatível com qualquer trabalho que não seja o doméstico. Há mulheres – cada vez menos, mas ainda há – que escolhem ficar em casa cuidando da cria e abandonam, por um tempo ou definitivamente, sua vida profissional.
Mas há muitas outras – umas porque precisam pagar as contas de casa e não têm opção e outras porque gostam – que não deixam seus trabalhos e aí que a coisa complica.
O trabalho, muitas vezes, pode ser estimulante e prazeroso. E o cuidado com as crianças pode ser igualmente prazeroso e gratificante. O que mata é a rotina.
Chego em casa às 19hs30 depois de quase duas horas de trânsito nessa cidade torturante. Helena já está dormindo. Chico espera para jantar. Ele deveria ir dormir às 20hs30, ela também. Bom, hoje, por conta do meu atraso, vamos ter que lidar com a troca de horários.
Janto com Francisco e lá pelas tantas tenho que apressá-lo, pois vai passar do horário de dormir – antes do sono, história e música. O pequeno se apressa e quando está terminando, Helena acorda.
Corro até o quarto e a encontro toda animada em pé no berço. Certo: vamos preparar a mamadeira e tentar conciliar o ritual dos dois.
Escovar os dentes do Chico, colocar o pijama, trocar a fralda da Helena e colocar seu pijama. Hoje teremos que pular a história, pois só nisso já chegamos em 20hs40…
Francisco reclama, mas compreende, doce que é. Helena, no entanto, depois de tomar toda a mamadeira ouvindo a música que já embalou seu irmão, está super acordada e briga pra não dormir.
Tento em vão niná-la. Continuo a música, ando com ela no colo pelo quarto, deixo tudo bem escurinho. Nada.
Pego o sling, mudo de quarto, tudo escuro e chupeta. Nada.
Coloco a bichinha no berço “abraçada” no travesseiro como seu pai indicou. Nada. Aí é que ela fica brava pra valer e começa a chorar. O colo é uma exigência.
Penso nos trabalhos que iria fazer assim que os dois dormissem, fico aflita, minhas costas começam a doer.
Sento com ela no colo e balanço como uma cadeira. Nada.
Desisto. Desço com ela e tento fazer alguma coisa que me distraia por uns minutos e a deixe mais sonada. Ela parece cada vez mais elétrica. Até que faz um coco. Ah… coitadinha… Estava com dor de barriga e eu achando que a menina lutava contra o sono… Assim começa o nível 1 da culpa: a mãe não entende sua bebê.
Subo com ela, troco a fralda, conversamos. Ela me olha nos olhos, profundamente. Sinto um amor delicioso, profundo e admirado. Como é comunicativa minha pequena de 9 meses!
Como é doce e linda! Pego-a de novo nos braços com carinho e cuidado, brinco com ela e digo que agora sim, hora de dormir.
Apago novamente as luzes e escolho uma outra música.

Nada! Ah!!!!
Ainda agitada, ainda empurrando com as pernas, agora está claro: luta mesmo contra o sono!
Já são quase 22hs e Helena, com os olhos vermelhos e pequenos, não quer dormir! E eu preciso e QUERO trabalhar!
A culpa passa para o nível 2: depois de passar o dia fora de casa trabalhando, quero continuar trabalhando! Como pode???
Não aguento mais essa luta e coloco a pequena no berço. Ela chora. Primeiro é manha. Depois é choro pra valer.
Francisco continua dormindo pesado…
Sento no sofá da sala e penso que é preciso que algum pediatra me ajude nessa jornada noite adentro. Sim, pois depois que ela finalmente dormir, sei que acordará algumas vezes durante a noite. Então, mesmo conseguindo fazê-la dormir, fico tensa esperando o próximo chorinho.
A culpa então eleva-se ao nível 3: como é duro cuidar de um bebê!!! Como minha paciência é curta! Eu deveria adorar ficar ninando a bichinha até a hora em que, finalmente, ela dormisse. Sim, eu não deveria reclamar. E cadê o pai dessa criança que não está aqui para me socorrer???
O pai está trabalhando. Claro! Afinal, é a renda do trabalho dele que banca a maior parte do orçamento da família. Então é justo que a divisão seja essa.
E eu, que ganho bem menos, cuido mais das crianças. Bem, não é todo dia essa luta pra dormir. A maioria das vezes é muito mais tranquilo. A pequena mama e dorme junto com Francisco às 20hs30 e eu sigo no computador até ser arrebatada pelo frio e pelo cansaço.
Mas hoje, que preciso ler um projeto importante, preciso começar a escrever outro e publicar uma ação… não tenho energia para mais nada a não ser me jogar na cama. Assim vou adiando, vou deixando pra mais tarde a posibilidade de aumentar meus trabalhos, minha renda… Assim, mesmo conscientes e desejosos de novas possibilidades de constituição de uma família, seguimos reproduzindo o velho formato.

Maysa Lepique – tentando ser mãe, atriz, diretora da cooperativa de teatro, feminista, bem informada, crítica e saudável

4 Respostas to “A menina quer estudar. Mamãe quer trabalhar. É possível?!”

  1. Ana 11 de agosto de 2010 às 12:11 am #

    Querida, tentando não, você É tudo isso e com isso transforma a vida das pessoas, principalmente a dos dois pequenos mais sortudos do mundo.

    P.s. não pude evitar as lágrimas, no trecho em que visualizei vc conversando com a pequena.

    bj

    Ana

  2. brisa 11 de agosto de 2010 às 1:37 pm #

    é complicado mesmo, pois para podermos trabalhar temos que contar com pessoas para cuidar das nossas crias, e estas pessoas muitas vezes moram mal,longe e também tem filhos e filhas.

  3. Alessandra Cavagna 1 de setembro de 2010 às 10:48 pm #

    Não abriu o link. Acho que é um filme que é uma animação que assisti ha uns dois anos atrás e que achei maravilhosa. Queria muito ver pra confirmar.

  4. Amelinha Teles 2 de setembro de 2010 às 1:15 pm #

    Maysa, quanta força coloca nos eu texto que é tão verdadeiro e tão real. Minha solidariedade materna a ti e a todas mães que vivem a ambiguidade de ser mãe e ser cidadã. Tarefa árdua, é um desafio sem fim. Ainda bem que você consegue expressar todos os sentimentos e culpas impostos à maternidade pela ideologia patriarcal.
    Um beijo grande e força para continuar tão carinhosa e tão consciente desta luta para alcançar a igualdade de gênero,
    Amelinha

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